A culpa é um sentimento comum no contexto da prestação de cuidados e no dia a dia dos cuidadores. A culpa é um sentimento que tanto pode dar azo a uma vontade de ser o melhor possível como de um sentimento de paralisação e angústia.
Para os cuidadores, sentimentos difíceis como a culpa, tristeza e raiva são uma expressão e chamada de atenção para a realidade que os envolve e também condiciona, mas pode ainda ajudar a orientar as ações e comportamentos e uma forma de chamar a atenção para a necessidade de ter cuidado com a saúde.
As pessoas têm sempre uma imagem de si próprias que é ideal de acordo com os valores que defendem e a forma como se relacionam consigo mesmo e com os outros.
A culpa surge frequentemente quando há uma incompatibilidade entre as escolhas diárias feitas na realidade e as escolhas que a visão do ideal de si mesmo teria feito.
O cuidador pode ter necessidades que não estão de acordo com esse ideal que tem de si próprio. Pode até acreditar que as suas próprias necessidades são insignificantes em comparação com as necessidades da pessoa de quem cuida.
Então o cuidador, sente-se culpado quando reconhece as suas necessidades, e quando age de acordo com elas. Pode ter sentimentos que não estão alinhados com o seu ideal. Pode até sentir raiva pelo facto de a pessoa de quem cuida está vulnerável.
Reconhecer esses sentimentos pode produzir culpa. E o cuidador pode até sentir-se culpado por sentir culpa, pensando que se tivesse agido de outra forma, o resultado seria melhor.
Para poder gerir melhor essas situações e lidar com a culpa, é importante que o cuidador perceba que pode encontrar formas de lidar melhor com a culpa que pode sentir.
O que pode gerar sentimentos de culpa nos cuidadores
Cada cuidador é diferente e pode sentir culpa por variadas razões, no entanto, em geral, existem algumas características específicas do trabalho na prestação de cuidados que mais facilmente podem desembocar em culpa.
Embora existam diferenças pessoais, são muitas as razões que podem levar os cuidadores a terem sentimento de culpa.
Estas são algumas situações que podem gerar culpa nos cuidadores:
- Sentir ressentimento, sentir-se numa prisão, não sentir amor ou ter outros pensamentos negativos
- Sentir que não é feito um trabalho tão bom quanto deveria ser ou que os outros estão a fazer melhor
- Não visitar o suficiente o familiar idoso
- Desejar que tudo acabasse
- Querer tempo para si mesmo, pedir ajuda, contratar um apoio domiciliário para ter uma pausa necessária
- Não sentir culpa ou estar feliz
- Perceber como lidava ou julgava alguém com demência antes de saber o que estava a causar o seu comportamento
- Fazer coisas sem o idoso que costumavam desfrutar juntos anteriormente
Facetas mais profundas do sentimento de culpa incluem:
Sentir que o que se faz não é suficiente
Não importa o quanto o cuidador esteja a fazer ou o quanto se esteja a esforçar, nunca é suficiente.
Pode pensar que tem de cuidar do idoso durante cada segundo em que não está a fazer outra coisa obrigatória como tarefas essenciais. Sente que deve sempre fazer mais, trabalhar mais e passar mais tempo com o idoso.
No entanto, o cuidado que está a prestar é o melhor que pode fazer e não se deve culpar e sentir mal, querendo prestar um nível ideal de cuidado que provavelmente não é realista.
Para se ser um bom cuidador e não sofrer consequências prejudiciais à saúde, é importante equilibrar as próprias necessidades com as do idoso.
Se o idoso precisar de mais cuidados do que o cuidador sozinho pode oferecer, deve pedir ajuda, e não se sentir culpado por reservar um tempo para cuidar de si mesmo.
O cuidador sente que não está a fazer um bom trabalho
Os cuidadores podem pensar que se fossem realmente bons cuidadores e estivessem realmente a dar o seu melhor, o idoso melhoraria, tanto física quanto mentalmente.
Embora haja situações em que os idosos podem apresentar algumas melhorias físicas ou mentais, uma melhoria contínua normalmente não é realista, simplesmente porque estão a envelhecer.
Além disso, muitos idosos têm condições de saúde graves e progressivas e essas são coisas que nenhum cuidado pode impedir ou reverter.
Sentir que não tomou a decisão certa
Quando as coisas não estão a correr bem, o cuidador pode pensar que é por causa das escolhas que teve de fazer. Pode sentir que fez a escolha errada e tudo é sua culpa, deveria saber melhor.
Mas, na verdade, ninguém pode prever o futuro e saber o que vai acontecer por causa das escolhas que teve de fazer. Tomamos decisões com base no que sabemos na altura e fazemos a melhor escolha possível.
Se as coisas não correrem bem, não é justo nem realista sentir culpa por não ser capaz de prever o futuro e saber o resultado. O máximo que se pode fazer para evitar uma decisão lamentável é aprender o máximo possível e tentar preparar-se para o que pode acontecer.
Uma ótima maneira de aprender com a experiência é participar num grupo de apoio a cuidadores, também se pode obter conselhos valiosos de pessoas que já passaram por situações semelhantes.
É importante pesquisar e tentar fazer uma preparação para o que pode vir, mas tendo em conta que não é possível planear tudo ou prever o resultado de decisões importantes.
Dicas para gerir o sentimento de culpa dos cuidadores
Equívocos comuns sobre como os cuidadores se devem sentir ou o que devem fazer e a culpa que surge por não corresponder a esses padrões irracionais podem realmente ser prejudiciais.
Essas crenças podem levar o cuidador a assumir responsabilidades irrealistas, evitar obter a ajuda de que precisa e merece, e ser demasiado exigente consigo mesmo. Tudo isto aumenta o stress, piora a saúde e pode levar a escolhas de estilo de vida inadequadas.
Encontrar maneiras de lidar com a culpa do cuidador de forma positiva ajuda-o a fazer escolhas que melhoram a sua saúde. Pode aprender a lidar com a culpa para que seja uma ajuda em vez de uma prisão.
Estas são algumas dicas para lidar com a culpa do cuidador:
Reconhecer o sentimento de culpa
Reconhecer que o cuidador se sente culpado é o primeiro passo para resolver o problema, admitindo que ele existe. Quando se reprime um sentimento, ele só se torna mais intenso.
O cuidador deve identificar quando se sente culpado e reconhecer os pensamentos e emoções. A culpa não reconhecida corrói a serenidade.
Dar-lhe um nome à culpa e identificar outros sentimentos pode ser muito útil. Muitas vezes, há outros sentimentos por baixo do sentimento de culpa. Depois de colocar o que se sente em palavras, poderá haver uma nova perspetiva.
Comparar as expectativas com a realidade
Ter expectativas irrealistas causa culpa desnecessária. Quando vem o pensamento de que o cuidador deveria ser capaz de cuidar de tudo sem sentir ressentimento ou exaustão, deve-se comparar isso com a realidade. Isso é irrealista e não é algo que o cuidador deve esperar de si mesmo.
Ter autocompaixão
Os humores sombrios, como os dias nublados, vêm e vão. Não existe uma única maneira como um cuidador se deve sentir. Quando este se permite ter qualquer sentimento e reconhece que os seus sentimentos não controlam as suas ações, a culpa diminui.
Procurar a causa da culpa
Verificar qual é a discrepância entre o eu ideal e o seu eu real e ver se existe alguma necessidade que não está a ser satisfeita e se é necessário mudar as ações para que elas se alinhem com os valores pessoais.
Satisfazer as necessidades próprias
As necessidades não são boas nem más, simplesmente existem. Se o cuidador precisa de algum tempo sozinho, por exemplo, deve honrar essa necessidade e encontrar uma forma de obter apoio domiciliário.
Ajustar o comportamento aos valores pessoais
Se o cuidador se sente culpado porque não fez alguma coisa que acha que deveria ter feito por outra pessoa, por exemplo, pode mudar o seu comportamento para compensar isso numa situação futura.
Procurar ajuda
Ligar a um amigo ou reunir alguns familiares para informar que está a passar por uma fase mais difícil e pedir ajuda para lidar com a situação e os cuidados, é uma forma de incorporar ajuda externa e atenuar a culpa.
Um grupo de apoio a cuidadores também é uma boa opção para conhecer pessoas que estão em situações semelhantes. Mais facilmente compreenderão como o cuidador se sente e provavelmente terão as suas próprias histórias de culpa para partilhar.
Ouvir outras pessoas ajuda o cuidador a perceber que não está sozinho ao sentir-se assim e que provavelmente não está a ser justo consigo mesmo.
Ajustar a noção de eu ideal
Fazemos as melhores escolhas com base nos recursos e conhecimentos que temos a cada momento. Ao olhar para o futuro, podemos criar uma visão refinada do nosso eu ideal.
Podemos definir qual o legado que queremos deixar e quais os valores que são importantes de acordo com os nossos valores e com o que podemos realizar.
Não se comparar aos outros
Não devemos comparar os piores momentos com os melhores momentos de outras pessoas. Com base no que se pode ver ou ouvir sobre outros cuidadores, pode parecer que eles estão a fazer um trabalho melhor.
O cuidador pode pensar que eles são melhores a lidar com o stress, a prestar cuidados práticos, a trabalhar com a família ou a encontrar recursos, mas a verdade é que só se conhece uma pequena parte das suas vidas.
Não é realista nem justo comparar o pouco que se sabe sobre a situação dos outros com a realidade diária de cuidador. Provavelmente, eles estão a passar por dificuldades tão grandes ou maiores.
Nessa situação, é útil usar de honestidade sobre o quão realistas são as expetativas. Ninguém consegue fazer tudo sozinho e não existem cuidadores perfeitos.
Usar estratégias positivas para enfrentar as situações
Os sentimentos de culpa também podem ser amenizados com técnicas positivas de autocuidado. Escrever num diário, programar pausas regulares e usar técnicas de relaxamento rápidas e simples podem fazer uma grande diferença na forma como o cuidador se pode sentir.
Reestruturar a culpa e entendê-la como arrependimento
É impossível fazer tudo o que, teoricamente, deveria ser feito. Essa é a realidade e há sempre compromissos que têm de ser feitos.
Reformular sentimentos de culpa com o entendimento que os cuidados podem ser uma situação difícil, mas não é realista nunca fazer pausas e não cuidar de si próprio.
Encarar a situação de falta de capacidade para fazer tudo como um arrependimento de não conseguir e abraçar a visão de que um cuidador é humano e está a dar o seu melhor.
Lembrar das coisas positivas
A culpa faz pensar em todas as maneiras como se falhou em cumprir os padrões demasiado elevados. E mais facilmente o cuidador se esquece de pensar em todas as coisas boas que fez pelo idoso.
É essencial reconhecer e valorizar as realizações como cuidador. Isso reduz o stress, melhora o humor e aumenta a autoestima e a confiança.
Gerir o sentimento de culpa nos cuidados com a demência
Sentir culpa é uma emoção comum entre os cuidadores de pessoas com demência. Cuidar de alguém com doença de Alzheimer ou outro tipo de demência significa fazer um trabalho difícil, que envolve muito stress e uma variedade de pensamentos e emoções, tanto positivos como negativos.
A culpa é uma emoção complexa e poderosa que pode aumentar o stress, esgotar a energia, fazer com que o cuidador se sinta preso e afetar negativamente a sua saúde mental. No entanto, as coisas que o fazem sentir-se culpado são muitas vezes equívocos ou expectativas irrealistas.
Para melhorar a saúde física e mental e reduzir o stress, o cuidador não deve culpar-se por esses pensamentos e deve tentar reduzir os sentimentos de culpa.
Estas são algumas dicas para os cuidadores que cuidam de idosos com demência:
Outros cuidadores estão a fazer um trabalho melhor
Os cuidadores podem sentir-se culpados porque têm expectativas irrealistas em relação a si mesmos e sentem que não as alcançaram. Quando ouve outros cuidadores de pessoas com demência, pode pensar que eles estão realmente a corresponder a essas expectativas.
Com base no que vê e ouve de uma perspetiva externa limitada das suas vidas, pode parecer que eles estão a fazer um trabalho melhor do que o seu. Pode pensar que eles são melhores a lidar com o stress, a prestar cuidados práticos, a trabalhar com a família ou a encontrar recursos.
A verdade é que o cuidador só conhece uma pequena parte das vidas dos outros cuidadores. Não é realista comparar o pouco que sabe sobre a situação deles com a sua realidade diária de cuidador. Provavelmente, eles estão a passar pelo mesmo ou até pior.
É útil ter honestidade sobre o quão realistas são as expectativas. Ninguém consegue fazer tudo sozinho e não existe nada nem ninguém perfeito, como dissemos anteriormente.
Descartar o comportamento do idoso antes de saber que tinha demência
Antes do idoso ser diagnosticado com demência, talvez o cuidador não tenha passado muito tempo com ele. Ou talvez estivesse a agir de forma estranha e o cuidador tenha reagido com irritação ou crítica.
É sempre tentador olhar para trás e pensar que deveria ter feito de outro modo, mas ninguém sabe o que o futuro reserva. E não seria possível saber que uma condição médica estava a causar o comportamento do idoso antes do diagnóstico.
Ter pensamentos e sentimentos negativos em relação ao idoso
Mesmo que o cuidador se preocupe com o idoso, às vezes pode não gostar dele. Pode parecer que as coisas mudaram e só está a cuidar dele por obrigação. O idoso pode causar repulsa ou constrangimento. Pode querer sair pela porta e nunca mais voltar ou até desejar que o idoso morra.
Esses pensamentos e sentimentos são comuns entre os cuidadores, todos já os tiveram em algum momento. Mas, isso é normal e o cuidador não deve sentir vergonha ou culpa.
O melhor será não tentar controlar ou reprimir esses pensamentos. Aceitar que eles existem e ter em mente que, independentemente dos pensamentos, continua a fazer um bom trabalho ao cuidar do idoso.
Lidar com esses pensamentos e sentimentos conversando com alguém em quem confia ou escrevendo sobre eles num diário privado, ou procurando ajuda profissional ou o médico, caso seja necessário, para lidar melhor com este tipo de pensamentos.
Outros cuidadores não têm sentimentos negativos
O cuidador também pode sentir que outros cuidadores de pessoas com demência não experimentam os sentimentos negativos que experimenta.
Pode sentir que está sozinho ao ter esses sentimentos ou que é um mau cuidador por se sentir assim. Mas, todos os cuidadores têm esses sentimentos. É natural, dado o quão exaustivo, estressante e emocionalmente desgastante é cuidar de alguém com demência.
Uma maneira de realmente entender que o cuidador não está sozinho ao se sentir assim é conversar com outras pessoas que estão a cuidar de uma pessoa com demência.
Conversar com pessoas em situações semelhantes ajuda a perceber que estão a passar por muitos dos mesmos sentimentos e desafios.
Ficar zangado ou irritado e perder a paciência
Cuidar de alguém com demência pode ser frustrante e exaustivo. Em algum momento, todos os cuidadores já perderam a paciência e gritaram com o idoso. Depois de acalmar, pode ser difícil ao cuidador perdoar-se pela explosão.
Ficar zangado é completamente normal quando já se está no limite e os comportamentos desafiadores da demência se intensificam. Talvez tarefas essenciais como comer ou tomar banho se tornam quase impossíveis. Ou talvez o idoso faça comentários maldosos ou acusações falsas e paranoicas.
Em vez de o cuidador se culpar por isso, pode pensar em estratégias diferentes para reduzir as chances de ter uma explosão de raiva no futuro. Pode tentar perceber os sinais de que o idoso está prestes a explodir, para que possa afastar-se antes que isso aconteça.
Depois, quando estiver longe do idoso, usar outras formas de libertar a raiva, como gritar no travesseiro, contar até 127, socar algumas almofadas ou bater com os pés no chão com toda a força que puder.
O cuidador também pode tentar perceber se há situações ou momentos do dia em que é mais provável que o idoso fique com raiva ou frustrado. Antes que essas situações ocorram, pensar em maneiras de libertar um pouco da tensão, ter algum tempo para si mesmo ou obter ajuda.
Negar a vontade de querer tempo para si próprio
O cuidador pode-se sentir culpado por querer fugir e ter tempo para si mesmo. Pode pensar que deve limitar as atividades não relacionadas com os cuidados apenas às coisas mais essenciais. Ou pode sentir que, se o idoso não pode desfrutar da vida, então ele também não deve.
Mas é fundamental recarregar regularmente as baterias, afastando-se dos cuidados e reservando tempo para si próprio. Pode fazer algum exercício leve, encontrar-se com amigos, desfrutar de um hobby, ver um filme ou simplesmente relaxar e não fazer nada.
Cuidar de si próprio com pausas regulares não é motivo para se sentir culpado. Reservar tempo para cuidar de si mesmo permite manter os cuidados a longo prazo e manter-se saudável. Sentir-se revigorado e mais positivo melhora a capacidade de cuidar do idoso.
Conclusão
A culpa do cuidador aumenta o stress e piora a saúde. Cuidar de um idoso já é difícil o suficiente sem a culpa adicional que muitas vezes acompanha todas as responsabilidades.
Mas, muitas vezes, a culpa que o cuidador sente é infundada.
Os cuidadores podem ter a tendência de se submeterem a padrões irracionais, como ser capazes de fazer tudo sem ajuda, ter uma solução para todos os problemas, tomar sempre a decisão certa, nunca ficar chateados ou frustrados, entre outros.
Nada disso é realista, mas, mesmo assim, criticam-se quando inevitavelmente ficam aquém das expetativas demasiado irrealistas.
Um cuidador será mais eficaz quando cuidar primeiro de si mesmo. Os idosos não querem nem esperam servos altruístas. Como cuidador, quando cuida de si mesmo, aumenta e melhora o próprio cuidado.
A culpa pode fazer parte do cuidado, mas essa culpa pode também ajudar o cuidador a tornar-se num cuidador que ele próprio e a pessoa de quem cuidam querem que seja.
Os cuidadores podem sentir-se culpados, mas isso pode ser muito destrutivo para a saúde e por isso encontrar maneiras de lidar com a culpa são a garantia de que melhoram a sua saúde e bem-estar.
Juntos Cuidamos Melhor!
Referências:
- Today´s Caregiver
- Daily Caring